A Outra (1988) - entre espelhamentos e projeções
Título Original: Another Woman
Ano de Lançamento: 1988
Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen
Duração: 1h:21min
Países de Origem: EUA
O filme A Outra (1988), escrito e dirigido por Woody Allen, é frequentemente considerado uma das obras mais bergmanianas do diretor, funcionando como uma sessão de análise cinematográfica sobre a repressão e o despertar do desejo. Sob uma ótica psicanalítica, o filme narra a quebra das defesas de uma mulher que construiu sua vida sobre o alicerce da intelectualização para evitar o contato com suas próprias emoções.
A protagonista, Marion Post (Gena Rowlands), é uma professora de filosofia que personifica o uso da intelectualização para manter o isolamento afetivo. Para a psicanálise, esse é um mecanismo de defesa onde o sujeito retira a carga emocional de um evento e a transforma em um conceito abstrato. Marion vive uma vida "perfeita", ordenada e fria, acreditando estar em paz, quando na verdade está em um estado de dissociação de seus verdadeiros desejos e traumas.
O ponto de virada ocorre quando Marion, ao alugar um escritório para escrever, passa a ouvir, através de uma falha acústica, as sessões de análise de uma paciente em um consultório vizinho.
A Outra como Projeção: A personagem de Hope (Mia Farrow), a "outra mulher", funciona como um duplo ou um espelho lacaniano. Hope está grávida e em profundo sofrimento emocional, representando tudo o que Marion reprimiu: a vulnerabilidade, a maternidade e a angústia.
O Inconsciente atravessando a parede: A parede fina entre os apartamentos simboliza a barreira porosa entre o Consciente (Marion) e o Inconsciente (Hope). Ao ouvir o sofrimento do Outro, Marion é forçada a reconhecer o seu próprio vazio interior.
A escuta das sessões de análise de Hope desencadeia em Marion o que Freud chama de o retorno do recalcado. Memórias que foram enterradas para manter sua imagem de mulher forte e resolvida começam a emergir. Ela passa a revisitar figuras de seu passado: o pai autoritário, o irmão que ela desprezou, o primeiro marido que ela abandonou e a amiga que ela traiu.
Nesse processo, Marion percebe que sua "estabilidade" foi construída à custa da aniquilação dos sentimentos alheios e de sua própria capacidade de amar de forma autêntica. A narrativa utiliza sonhos e encontros fantasmagóricos (muito próximos ao conceito de Morango Silvestres, de Bergman) para mostrar que o passado não está morto; ele está apenas aguardando uma brecha para ser ressignificado.
O clímax emocional do filme não é um evento externo, mas uma percepção interna. Ao ouvir Hope falar sobre ela (Marion) após um breve encontro, descrevendo-a como uma mulher fria e inacessível, a máscara de Marion cai definitivamente. Esse momento representa o atravessamento da fantasia: a desconstrução da imagem idealizada que ela possuía de si mesma.
A Outra é uma obra sobre a coragem necessária para enfrentar o "desconhecido" que habita em nós. Woody Allen sugere que uma vida examinada apenas pela lógica intelectual é uma vida incompleta. A transformação de Marion, ao final, não é a conquista de uma felicidade eufórica, mas a aceitação da melancolia e a possibilidade de, finalmente, começar a viver de forma integrada, onde o "Eu" não precisa mais se esconder atrás de citações filosóficas para suportar a existência.
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