Anticristo (2009) - quando luto, psicose e perversão se encontram


Título Original: Antichrist

Ano de Lançamento: 2009

Direção: Lars von Trier

Roteiro: Lars von Trier

Duração: 1h:48min

Países de Origem: Dinamarca, Alemanha, França, Suécia, Itália e Polônia


O filme Anticristo (2009), de Lars von Trier, é um terreno extremamente fértil para a crítica psicanalítica, funcionando quase como uma encenação brutal de conceitos freudianos e lacanianos. A obra não é apenas um horror psicológico; é uma incursão nas camadas mais profundas e "não-civilizadas" do psiquismo humano.

O filme inicia com a perda traumática do filho. Sob a lente de Freud, o que vemos não é um luto saudável, mas uma melancolia patológica. Enquanto o luto "normal" é o processo de desinvestir energia do objeto perdido, na melancolia, o ego se identifica com o objeto morto. A personagem feminina (interpretada por Charlotte Gainsbourg) não consegue elaborar a perda porque ela carrega a culpa, o superego punitivo, de ter deixado a criança cair enquanto sentia prazer sexual. A dor se torna parte de sua identidade, levando à autodestruição.

O personagem de Willem Dafoe personifica a Razão, o Logos e a Lei. Ele ignora seu papel de marido para assumir o de terapeuta, acreditando que a linguagem e a lógica podem domesticar o inconsciente.

O Erro Narcísico: Ele acredita que pode "curar" o Outro através da racionalização.

O Retorno do Recalcado: Ao tentar suprimir o medo dela através de exercícios de exposição, ele acaba por abrir os portões de tudo o que foi recalcado. A natureza (o Éden) deixa de ser um cenário idílico e torna-se a representação do Id: caótico, cruel e amoral.

A tese de doutorado da protagonista sobre o ginepódio (a perseguição às bruxas) é central. Von Trier toca no conceito lacaniano do "Continente Negro" (termo de Freud para a sexualidade feminina, por ser desconhecida). A personagem feminina projeta a misoginia histórica nela mesma. Ela aceita a ideia de que a natureza feminina é intrinsecamente má. Aqui, a castração não é apenas simbólica, mas física e literal (a cena da mutilação do clitóris), representando uma tentativa desesperada de silenciar o desejo e o prazer que ela associa à morte do filho.

A floresta "Éden" é a personificação do conceito de Infamiliar (Unheimliche). O que deveria ser um refúgio (o lar, a natureza) torna-se hostil e assustador. Os "Três Mendigos" (Dor, Desespero e Luto) simbolizam a fragmentação da psique.

A cena do corço, da raposa e do corvo são manifestações externas de processos internos que o Ego não consegue mais conter. "O caos reina" é a frase que sela a vitória do Id sobre a tentativa de controle do Ego.

Os "Três Mendigos" (The Three Beggars) são os pilares simbólicos que sustentam a descida ao abismo em Anticristo. Eles representam a materialização de afetos insuportáveis que, quando não elaborados pela psique, retornam como figuras grotescas e proféticas. Na trama, eles são associados a três constelações estelares e três animais, formando uma tríade que anuncia a vitória do caos sobre a razão.

O primeiro animal que surge é a fêmea do cervo, que traz o feto natimorto ainda pendurado em seu corpo, que representa a Dor latente e persistente. Na psicanálise, podemos ligá-la ao trauma que não se desprende do sujeito. Assim como o feto que não nasceu mas continua ligado à mãe, a dor da protagonista é algo que deveria ter sido "expulsado" (elaborado), mas permanece como um resto biológico e psíquico que a persegue.

Talvez a imagem mais icônica do filme, a raposa é vista devorando as próprias entranhas e proferindo a frase: "O Caos Reina", simbolizando o Desespero autodevorador que assola, sobretudo, a esposa/mãe. É a pulsão de morte (Thanatos) em seu estado mais puro. Enquanto a dor é passiva, o desespero é ativo e destrutivo. A raposa comendo a si mesma simboliza o colapso do narcisismo: o sujeito, incapaz de lidar com o mundo externo, volta sua agressividade contra o próprio corpo (o que antecipa as automutilações da protagonista).

O corvo, frequentemente associado à morte, aparece como uma figura inabalável e quase imortal (o marido tenta matá-lo, mas ele continua grasnando sob a terra), o qual representa o Luto não resolvido. Na melancolia, o objeto perdido (o filho) "coloniza" o ego. O corvo simboliza esse pensamento obsessivo que não morre, mesmo quando tentamos enterrá-lo sob camadas de racionalização e terapia comportamental.

Em Anticristo, Von Trier sugere que a civilização (o Marido/Razão) é uma casca fina que encobre uma natureza (a Mulher/Inconsciente) que é "a igreja de Satanás", não no sentido teológico, mas no sentido de uma força pulsional que não obedece à moral humana. É um filme sobre a impossibilidade da cura quando o trauma atinge o núcleo do ser.

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