03/10/2025

O que é PULSÃO DE AUTOCONSERVAÇÃO para a psicanálise?

O conceito de pulsão de autoconservação é um pilar fundamental e, ao mesmo tempo, um elemento de profunda evolução na obra de Sigmund Freud, o fundador da Psicanálise. Ele está intrinsicamente ligado à primeira grande divisão da teoria pulsional freudiana, onde as forças psíquicas eram separadas em dois grupos antagônicos e dinâmicos: as pulsões sexuais e as pulsões de autoconservação, também chamadas de pulsões do Eu (Ich-Triebe).

Na sua primeira metapsicologia, o foco principal de Freud era explicar o conflito psíquico que originava as neuroses. Ele concluiu que o sintoma neurótico era o resultado de uma luta interna, uma repressão, onde o Eu (Ego) se opunha às exigências das pulsões sexuais. Para que essa oposição fizesse sentido, o Eu precisava ser movido por uma força pulsional diferente, capaz de entrar em conflito com o sexual. Essa força era justamente a pulsão de autoconservação.

As pulsões de autoconservação são os impulsos que visam a preservação do indivíduo. Elas estão diretamente ligadas às necessidades orgânicas e à sobrevivência biológica, como a fome, a sede, a respiração e a evitação da dor e do perigo. Sua finalidade é, portanto, a manutenção da vida do organismo.

  • Pulsões do Eu (Autoconservação): Orientadas para a realidade externa, regidas pelo Princípio de Realidade e tendo como objetivo a satisfação das necessidades vitais. Elas representam a parte do aparelho psíquico que busca se adaptar ao mundo, adiar a satisfação e evitar o dano para garantir a sobrevivência a longo prazo.

  • Pulsões Sexuais (Libido): Inicialmente consideradas as forças disruptivas, desorganizadoras e anárquicas, regidas pelo Princípio do Prazer e buscando a descarga imediata de tensão.

Neste primeiro modelo, o conflito neurótico era visto como o antagonismo entre o Eu (movido pela autoconservação e o Princípio de Realidade) e a sexualidade (movida pela libido e o Princípio do Prazer). O Eu reprimia as moções sexuais consideradas incompatíveis com a sua integridade ou com as exigências da civilização.

Um dos pontos mais importantes e sutis dessa fase da teoria é a relação inicial entre as duas classes de pulsões. Freud introduziu o conceito de anaclise (apoio) para descrever como a pulsão sexual inicialmente se apoia na pulsão de autoconservação.

No bebê, a satisfação sexual se vincula, em primeiro lugar, à satisfação de uma necessidade vital. Por exemplo:

  • O bebê sente fome (pulsão de autoconservação).

  • É alimentado no seio materno ou pela mamadeira (satisfação da necessidade).

  • A zona oral, ao ser estimulada, também proporciona um prazer de órgão (prazer sexual).

Desse modo, a pulsão sexual inicialmente utiliza o caminho e o objeto da pulsão de autoconservação. No entanto, o sexual rapidamente se desliga dessa função vital e se autonomiza, buscando o prazer pelo prazer, sem necessariamente visar a satisfação de uma necessidade biológica.

A pulsão sexual, após se desligar, se torna perverso-polimorfa (capaz de buscar satisfação em diversas zonas e objetos, fora da finalidade reprodutiva), mas a marca desse apoio original permanecerá. A escolha dos primeiros objetos de amor, por exemplo, é muitas vezes um "reencontro" com a figura que forneceu o cuidado e a satisfação da necessidade básica (o objeto da autoconservação).

O conceito de pulsão de autoconservação, apesar de sua importância para a primeira teoria da repressão, enfrentou problemas teóricos com o avanço da clínica freudiana, principalmente a partir da introdução do conceito de Narcisismo (1914).

Com o narcisismo, Freud percebeu que o Eu é, ele próprio, investido de libido sexual. Se o Eu é libidinalmente carregado, a antiga oposição entre Eu (não sexual) e sexualidade (libido) não se sustentava mais. O próprio Eu podia ser um objeto de amor.

Essa crise teórica levou Freud a uma grande reformulação em 1920, no texto Além do Princípio do Prazer. O dualismo pulsional é mantido, mas a oposição agora se dá em termos mais radicais e cósmicos:

  • Eros (Pulsões de Vida): Uma categoria mais ampla que absorve e unifica as antigas pulsões sexuais e de autoconservação, representando o impulso para a união, a ligação e a construção.

  • Tânatos (Pulsões de Morte): Uma força primordial e silenciosa, voltada para a desintegração, a destruição e o retorno ao inorgânico.

Na teoria final, as pulsões de autoconservação não desaparecem, mas são integradas ao grupo de Eros (Pulsões de Vida). Elas continuam a existir como a porção de Eros que está a serviço da manutenção do indivíduo, mas perdem seu estatuto de polo oposto ao sexual, tornando-se uma modalidade de manifestação da grande força de vida.

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