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21/10/2025

Quem foi GIL VICENTE?

Retrato de Gil Vicente (1882), por António Nunes Júnior. Paços do Concelho de Lisboa.

Gil Vicente, nascido por volta de 1465 e falecido cerca de 1536, é amplamente reconhecido como o pai do teatro português e uma das figuras mais marcantes da literatura renascentista em Portugal. Dramaturgo, poeta, músico, ator e encenador, sua obra representa uma ponte entre a Idade Média e o Renascimento, refletindo as transformações sociais, culturais e espirituais da época. Embora haja controvérsias sobre seu local de nascimento — com hipóteses que incluem Barcelos, Guimarães, Lisboa e as Beiras —, desde as comemorações oficiais de 1965, a data de 1465 é geralmente aceita como a de seu nascimento.

Gil Vicente é frequentemente associado à figura do ourives, autor da célebre Custódia de Belém, produzida com o primeiro ouro vindo de Moçambique e destinada ao Mosteiro dos Jerónimos. Essa ligação é sustentada por sua familiaridade com termos técnicos da ourivesaria, presentes em sua obra, embora alguns estudiosos tenham contestado essa identificação. Independentemente disso, sua atuação como artista multifacetado é indiscutível, tendo desempenhado papéis importantes na corte portuguesa, inclusive como organizador de eventos palacianos.

Sua estreia como dramaturgo ocorreu em 1502, com a peça “Auto da Visitação” ou “Monólogo do Vaqueiro”, apresentada nos aposentos da rainha D. Maria para celebrar o nascimento do príncipe D. João III. A partir desse momento, Gil Vicente passou a ser figura constante nas celebrações da corte, escrevendo e encenando peças para diversas ocasiões. Dona Leonor, viúva de D. João II, tornou-se sua grande protetora, incentivando sua produção artística. Ao longo dos anos, Gil Vicente escreveu cerca de 44 peças, abrangendo uma ampla variedade de gêneros, como autos, farsas, comédias, tragicomédias e mistérios, misturando elementos religiosos, alegóricos e profanos.

Entre suas obras mais célebres está a trilogia das barcas: “Auto da Barca do Inferno” (1516), “Auto da Barca do Purgatório” (1518) e “Auto da Barca da Glória” (1519), que satirizam os vícios humanos e criticam severamente os costumes da sociedade portuguesa do século XVI. Outra peça de destaque é a “Farsa de Inês Pereira” (1523), que aborda com humor e ironia as escolhas matrimoniais e os papéis sociais da mulher. Gil Vicente utilizava uma linguagem acessível, repleta de dialetos e expressões populares, o que aproximava suas obras do público e conferia autenticidade às personagens.

Sua crítica social era contundente, e ele não hesitava em satirizar o clero, a nobreza e até mesmo o próprio rei, como demonstra sua carta a D. João III após o terremoto de Lisboa em 1531, na qual defende os cristãos-novos contra acusações infundadas. Essa postura crítica, aliada à sua habilidade artística, garantiu-lhe prestígio e liberdade para abordar temas delicados com ousadia.

Gil Vicente também se destacou pela sua poesia lírica, religiosa e patriótica. Era conhecido como o “poeta da Virgem”, devido à devoção mariana presente em obras como o “Auto de Mofina Mendes” e o “Auto da Alma”. Seu lirismo amoroso, por vezes erótico e brejeiro, revela influências de autores clássicos como Petrarca. A visão filosófica presente em sua obra aproxima-se do platonismo, distinguindo entre um mundo ideal, de paz e amor divino, e um mundo terreno, marcado pela falsidade e desordem.

Após sua morte, seus filhos Paula e Luís Vicente organizaram a primeira compilação de suas obras. Em 1586, uma segunda edição foi publicada, embora censurada pela Inquisição. Somente no século XIX, com a edição de 1834 em Hamburgo, sua obra foi redescoberta e valorizada. Gil Vicente deixou um legado duradouro, influenciando a cultura popular portuguesa e sendo estudado por figuras como Erasmo de Roterdão, que aprendeu português para ler suas obras no original.

17/10/2025

Quem foi João Soares de Paiva?

João Soares de Paiva, também conhecido como O Trovador ou O Freire, foi uma figura notável da nobreza portuguesa do século XII, nascido por volta de 1140. É amplamente reconhecido como o primeiro autor literário em língua galego-portuguesa, sendo, portanto, considerado um dos pioneiros da literatura portuguesa. Filho de Soeiro Pais de Paiva, apelidado de “O Mouro”, e de Urraca Mendes de Bragança, João pertencia à linhagem da Casa de Baião, estabelecida nas margens do rio Paiva, região que inspirou o sobrenome da família. A união de seus pais teria ocorrido após a Batalha de Ourique, quando o primeiro marido de Urraca teria falecido, consolidando assim a origem nobre de João.

A primeira menção documental a João Soares de Paiva em Portugal data de 1170, quando realizou uma doação ao Mosteiro de Paço de Sousa, fundado provavelmente por seus antepassados. Com a morte de seu pai, herdou vastas propriedades nas terras de Paiva, incluindo a honra de Sobrado, a de Real e a quintã de Oliveira de Arda, atual Raiva. Foi por meio dele que o apelido Paiva se perpetuou pela linha masculina, já que os descendentes de seu irmão Paio adotaram o nome Taveira. Sua irmã Cristina também contribuiu para a continuidade do nome pela via feminina, sendo mãe de filhos que adotaram o sobrenome Paiva, como o célebre Rui Garcia de Paiva.

Após 1170, João parece ter se ausentado de Portugal por um longo período, possivelmente de forma definitiva. A única cantiga que se conserva de sua autoria indica que ele se encontrava em terras na fronteira entre os reinos de Castela, Aragão e Navarra. As razões para sua saída do país são incertas, mas há teorias que sugerem que isso ocorreu após a perda de Badajoz por Afonso I de Portugal em 1169. Outra hipótese é que João tenha se colocado ao serviço de Ruy Díaz de los Cameros, um senhor castelhano-navarro e também trovador, embora sua obra tenha se perdido. Essa teoria é reforçada pela localização do senhorio de Ruy Díaz, na confluência entre Castela e Aragão, próximo a Navarra.

Em 1182, João confirmou uma venda em Vila Franca do Bierzo, na fronteira entre Leão e Galiza, o que sugere sua ligação com famílias influentes da região, como os Cabrera-Velaz. Há indícios de que João tenha pertencido a uma ordem militar, possivelmente os Templários, já que é referido como “O Freire” no Livro de Linhagens do Deão. Sua cantiga menciona Monzón, local sob domínio templário desde 1143, o que reforça essa possibilidade.

A única cantiga preservada de João Soares de Paiva é de escárnio e intitulada “Ora faz ost’o senhor de Navarra”. Ela critica o rei Sancho VII de Navarra por invadir terras durante a ausência do rei de Aragão, atitude que o trovador considera covarde. A composição, datada provavelmente de 1196, é uma das mais antigas transmitidas pelos cancioneiros e reflete um contexto histórico preciso de conflitos entre os reinos ibéricos.

João teria se casado com Maria Anes I de Riba de Vizela por volta de 1215, embora essa data levante dúvidas sobre se o João Soares mencionado seria o trovador ou um descendente seu. O casal teve seis filhos: Pedro, Rodrigo, Soeiro, João, Teresa e Maria, perpetuando a linhagem dos Paiva. A data exata de sua morte é desconhecida, mas acredita-se que tenha ocorrido após 1194, possivelmente nos primeiros anos do século XIII. Sua contribuição à literatura portuguesa permanece como um marco inaugural da tradição trovadoresca galego-portuguesa.

14/10/2025

Quem foi Afonso Sanches?

Afonso Sanches de Portugal, nascido em 24 de maio de 1289, na região entre o Douro e o Minho, foi uma figura marcante da história portuguesa medieval. Filho ilegítimo do rei Dinis I de Portugal com Aldonça Rodrigues de Telha, foi posteriormente legitimado em 8 de maio de 1304, tornando-se um dos filhos prediletos do monarca. Sua posição privilegiada na corte portuguesa lhe conferiu títulos e responsabilidades de grande importância, como o senhorio de Cerva e de Alburquerque, na Estremadura espanhola, onde se localizava o castelo que, anos mais tarde, abrigaria D. Inês de Castro.

Afonso Sanches destacou-se não apenas como nobre, mas também como trovador e poeta, seguindo os passos de seu pai, que também cultivava as artes literárias. Sua produção poética, embora não tenha sido amplamente valorizada por muito tempo, é hoje reconhecida por sua sofisticação dentro da tradição lírica galaico-portuguesa. Seus poemas estão preservados no Cancioneiro da Biblioteca Nacional e no Cancioneiro da Vaticana, totalizando quinze composições, entre elas nove cantigas de amor, uma tenção, três cantigas de escárnio, uma cantiga de amigo paralelística e outra com apenas uma estrofe. Apesar de algumas dessas obras estarem fragmentadas, estudiosos contemporâneos têm reavaliado sua importância, destacando a riqueza formal e a sensibilidade poética de suas cantigas, especialmente aquelas que seguem o modelo provençal da cantiga de amor. Nessas composições, o tema predominante é o amor não correspondido, marcado pela dor e pela devoção do trovador à sua dama, sempre tratada com reverência e idealização, conforme os padrões da época.

A educação de Afonso Sanches foi cuidadosamente conduzida, em parte graças à Rainha Santa Isabel, que promoveu a formação de todos os filhos do rei, legítimos ou não, sob a tutela de Pero Afonso. Essa proximidade com a corte e o afeto especial de Dinis I por Afonso Sanches culminaram na sua nomeação, em 1312, para o cargo de mordomo da coroa, função que equivaleria, nos moldes atuais, ao de primeiro-ministro. Tal distinção, no entanto, gerou tensões com o infante Afonso, filho legítimo do rei e herdeiro do trono. O favoritismo do monarca por Afonso Sanches foi um dos fatores que desencadearam uma guerra civil entre pai e filho, ocorrida entre 1322 e 1324. O ápice do conflito foi a iminente batalha de Alvalade, que, segundo a tradição, foi evitada graças à intervenção da Rainha Santa Isabel.

Com a ascensão de Afonso IV ao trono, Afonso Sanches foi exilado em Castela. Mesmo no exílio, tentou recuperar sua posição por meio de manobras políticas e militares, incluindo tentativas de invasão, como a de 1326. Contudo, após sucessivos fracassos, firmou um tratado de paz com o irmão. Afonso Sanches faleceu em 2 de novembro de 1329, em Escalona, na Espanha.

Casou-se antes de 1306 com D. Teresa Martins de Meneses, filha de D. João Afonso Teles de Meneses e de D. Teresa Sanches, filha bastarda do rei Sancho IV de Castela. O casal teve três filhos, dos quais apenas João Afonso de Albuquerque atingiu a maioridade, tornando-se o sexto senhor de Alburquerque. Afonso Sanches e sua esposa fundaram o Convento de Santa Clara de Vila do Conde, onde estão sepultados. Em 1722, foi iniciado o processo de beatificação do casal, sendo suas virtudes exaltadas pelo frade franciscano Fernando da Soledade na obra “Memória dos Infantes”.