04/10/2025

Françoise Dolto: psicanálise e educação sobre a infância


Françoise Dolto, nascida em Paris em 6 de novembro de 1908, foi uma das figuras mais revolucionárias e influentes no campo da psicanálise e da pediatria do século XX. Sua vida, dedicada à escuta e à defesa da subjetividade infantil, encerrou-se na mesma cidade em 25 de agosto de 1988. Dolto notabilizou-se por integrar o rigor da sua formação como médica pediatra com a profundidade da psicanálise, uma jornada que a levou a desenvolver uma abordagem clínica e teórica singular, centrada no reconhecimento da criança como um sujeito de desejo desde o nascimento.

A Vocação da "Médica de Educação"

A vocação de Dolto nasceu cedo e de forma autodefinida. Aos oito anos de idade, após presenciar um episódio de vômito de um irmão mais novo causado por um conflito emocional, e a subsequente resposta inadequada dos adultos (dieta), a pequena Françoise concluiu que os adultos "não entendiam as crianças". Essa percepção a levou a formular o desejo de se tornar uma "Médica de Educação". Segundo sua própria definição, essa profissão, que ela viria a inventar e abraçar, era a de um médico que compreende que "os problemas na educação podem provocar doenças nas crianças, não verdadeiras doenças, mas capazes de causar aborrecimentos para as famílias e complicar a vida das crianças". Para Dolto, tratava-se de curar e, sobretudo, prevenir o sofrimento psíquico infantil.
Essa capacidade de sintonizar com a dimensão inconsciente da vida infantil foi a marca de sua prática. Inicialmente como pediatra, ela se destacava pela habilidade de "ler o corpo" da criança, vendo as doenças somáticas não apenas como manifestações mecânicas, mas como expressões de um sofrimento emocional. Ao se tornar psicanalista, esse olhar se aprofundou: o corpo que a preocupava deu lugar ao corpo erógeno e libidinal. Diferentemente de muitos colegas que se formaram em Psicologia, Dolto ouvia a palavra do paciente em sua articulação com o corpo. Para ela, "era o corpo que falava". Essa convicção sobre a linguagem do corpo e a escuta do desejo inconsciente tornou-se a espinha dorsal de seu trabalho clínico, fazendo dela uma profissional singularmente situada no cruzamento da pediatria, da psicanálise e da educação.

A Obra e os Conceitos Centrais

A vasta obra de Dolto é um legado teórico e prático que ressoa até hoje. Seu Magnum opus, "Quando os pais se separam", é um marco que cristaliza a sua preocupação central com o impacto das crises familiares no desenvolvimento da criança, enfatizando a necessidade de verdade e de comunicação aberta.
Um dos seus conceitos mais originais e cruciais é a "Imagem Inconsciente do Corpo" (título de uma de suas obras fundamentais). Esse conceito postula que o corpo é suporte da subjetividade e da relação com o outro, sendo vivido e imaginado muito antes de ser percebido de forma consciente. Esta imagem se constrói a partir da relação do bebê com seus pais e é a fundação de sua identidade.
Outro pilar de seu pensamento é a ênfase na linguagem e na verdade. Dolto defendia que, mesmo o lactente, a criança precisa ser tratada como um ser humano completo, capaz de compreender a verdade. Ela alertava para os efeitos terríveis do silêncio e da dissimulação por parte dos adultos, que obrigam a criança a supor e imitar o comportamento de negação. Sua filosofia se resume na crença de que "Tudo é linguagem", desde o sintoma físico até o balbuciar.
Em sua análise das fases da vida, ela dedicou-se à adolescência em "Palavras para adolescentes ou o complexo da lagosta", onde utiliza a metáfora da lagosta que se desfaz da carapaça para crescer, ilustrando o doloroso e necessário processo de construção da identidade adulta, através da superação da dependência infantil.

O Fenômeno "Doltomania" e as Casas Verdes

A partir de 1976, Françoise Dolto alcançou um enorme sucesso popular na França. Sua participação em programas de rádio, onde respondia a cartas de pais com conselhos francos e desdramatizantes, gerou a chamada "Doltomania". Ela buscou, com essa popularização, "desdramatizar" as situações e "desculpabilizar" pais e filhos, estimulando a reflexão em vez da paralisia.
Sua influência se manifestou também na criação de instituições como as Casas Verdes (Maisons Vertes). Estas instituições, que se espalharam pela França e o mundo, acolhem crianças de zero a três anos acompanhadas de seus pais. As Casas Verdes operam como um "lugar de transição", oferecendo um espaço de convívio livre onde psicanalistas (os "acompanhantes") estão presentes para auxiliar os pais a "sustentar os filhos na descoberta dos outros e do mundo". Dolto acreditava que a educação se faz sobretudo com o inconsciente, e que a presença desses profissionais auxilia os pais a recuperarem o contato com o seu próprio desejo e com o desejo singular da criança. Longe de fornecerem pautas rígidas de desenvolvimento, nas Casas Verdes, o foco é dado ao acompanhamento da história de desejo de cada indivíduo.
Françoise Dolto deixou um legado perene, não apenas nos livros como "A imagem inconsciente do corpo", "Psicanálise e pediatria", e "Sexualidade feminina: libido, erotismo, frigidez", mas também em uma prática que elevou a escuta da criança à condição de imperativo ético. Sua morte, em 1988, de insuficiência respiratória, não silenciou sua voz, que continua a ecoar na psicanálise, na educação e na parentalidade, reforçando a mensagem de que o respeito e o reconhecimento do desejo são fundamentais para o desenvolvimento humano.

Nenhum comentário :

Nenhum comentário :

Postar um comentário