O que é o COMPLEXO DE ÉDIPO (Der Ödipuskomplex) para a Psicanálise?
| Sigmund Freud Retrato 1926 - Foto gratuita no Pixabay |
O Complexo de Édipo é, sem dúvida, o pilar central da teoria psicanalítica clássica e uma das construções teóricas mais influentes da história do pensamento ocidental. Formulado por Sigmund Freud na virada do século XIX para o XX, o conceito não apenas revolucionou a compreensão da subjetividade humana, mas também estabeleceu uma ponte definitiva entre a psicologia profunda e a herança cultural da humanidade, representada aqui pela mitologia grega. Para entender o que é o Complexo de Édipo, é preciso mergulhar tanto na narrativa trágica de Sófocles quanto na estrutura do desenvolvimento psíquico infantil proposta pela psicanálise.
A escolha do mito de Édipo por Freud não foi acidental. Na tragédia Édipo Rei, de Sófocles, o herói é destinado por um oráculo a cometer dois atos abomináveis: assassinar seu pai, Laio, e casar-se com sua mãe, Jocasta. Apesar de todos os esforços de Édipo para fugir desse destino, suas ações acabam, ironicamente, conduzindo-o exatamente ao cumprimento da profecia. A força do mito reside no fato de que Édipo realiza esses atos na ignorância, simbolizando que tais desejos não são conscientes, mas forças arcaicas que operam à revelia do sujeito.
Freud percebeu que a reação intensa do público à peça de Sófocles, mesmo milênios depois de sua escrita, ocorria porque a tragédia ressoava com algo universal. O mito seria, portanto, a externalização de um drama interno que todo ser humano atravessa na infância. A "cegueira" de Édipo ao final da peça é a metáfora perfeita para o nosso próprio desconhecimento sobre os desejos inconscientes que estruturam nossa personalidade.
Na psicanálise, o Complexo de Édipo refere-se a um conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a criança experimenta em relação aos seus pais. Ele ocorre tipicamente durante a chamada fase fálica do desenvolvimento psicossexual (entre os 3 e 5 anos de idade). Nesse período, a criança deixa de se relacionar apenas com o corpo da mãe (relação diádica) e passa a perceber a existência de um terceiro elemento: o pai (ou aquele que exerce a função paterna).
A configuração clássica envolve o desejo de possuir o objeto amoroso (geralmente a mãe) e a consequente rivalidade com o competidor (geralmente o pai). No entanto, Freud destaca que o Édipo é ambivalente. A criança não apenas odeia o pai; ela também o ama e o admira. Essa mistura de amor e hostilidade gera um conflito psíquico profundo. O pai aparece como aquele que impõe a Lei, aquele que diz "não" ao desejo da criança de ser o centro absoluto do universo da mãe.
O elemento que permite a resolução desse conflito é o que Freud chamou de Complexo de Castração. A criança percebe que não pode possuir a mãe e que o pai detém uma autoridade que ela ainda não possui. O medo simbólico da perda, a castração, faz com que a criança renuncie aos seus desejos incestuosos.
Nesse momento, ocorre um processo fundamental para a saúde mental: a identificação. Ao perceber que não pode derrotar o pai, o menino decide "ser como o pai" para que, no futuro, possa ter uma mulher para si, tal como o pai tem a mãe. No caso das meninas, Freud descreveu um percurso diferente (muitas vezes chamado de Complexo de Electra por Jung, embora Freud preferisse "Édipo Feminino"), onde a menina redireciona seu afeto do pai para outros objetos, mas o princípio de triangulação e renúncia permanece o mesmo.
A importância do Complexo de Édipo para a psicanálise vai muito além da sexualidade infantil. Ele é o momento em que a cultura entra na biologia. Quando a criança aceita a proibição do incesto (a Lei do Pai), ela está internalizando as normas da sociedade. O "Não" do pai transforma-se em uma instância interna: o Superego.
É através da resolução do Édipo que o indivíduo desenvolve a capacidade de viver em sociedade, aceitando limites e reconhecendo o outro. Se o complexo não é bem resolvido, ou seja, se a criança não consegue se desvencilhar dessa ligação primordial com os pais ou se a função paterna falha em estabelecer o limite, a psicanálise aponta para o surgimento das neuroses na vida adulta. O adulto neurótico seria aquele que, de certa forma, permanece fixado nos dramas não resolvidos de sua infância, repetindo inconscientemente o padrão de busca pelo amor materno ou de luta contra a autoridade paterna.
É vital ressaltar que a psicanálise moderna entende o "Pai" e a "Mãe" não necessariamente como figuras biológicas ou de gênero fixo, mas como funções. A "Função Materna" é aquela que oferece cuidado, acolhimento e nutrição. A "Função Paterna" é aquela que intervém nessa relação para apresentar o mundo externo, a regra e a alteridade. Assim, o Complexo de Édipo se mantém atual como uma descrição da passagem da criança de um estado de dependência absoluta para a inserção no mundo simbólico e social.
A relação com a mitologia, portanto, não é apenas um adorno literário. Freud utilizou o mito como um mapa para territórios psíquicos que a linguagem comum mal conseguia descrever. O mito de Édipo é o espelho onde a humanidade vê refletida a sua maior luta: o sacrifício dos impulsos instintivos em nome da civilização e da autonomia individual.
Isso posto, não é exagero dizer que o Complexo de Édipo é o "nódulo vital" da psicanálise. Ele explica como nos tornamos quem somos através das nossas primeiras relações de amor e ódio. Ao integrar a tragédia grega com a observação clínica, Freud demonstrou que todos nós, em algum nível, somos herdeiros de Édipo. Cruzamos nossas próprias encruzilhadas simbólicas, enfrentamos nossas esfinges internas e, se tivermos sucesso, emergimos dessa fase com a capacidade de amar e trabalhar fora do círculo familiar.
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