A Mão do Desejo (1994) - quando o fracasso do complexo de Édipo gera consequências catastróficas
Direção: David O. Russell
Roteirista: David O. Russell
País: EUA
Duração: 1h:40min
Vencedor do Prêmio do Público em Sundance, Spanking the Monkey (1994), a estreia de David O. Russell, permanece até hoje como uma das obras mais desconfortáveis, audaciosas e controversas do cinema independente norte-americano. Longe de ser apenas uma comédia ácida ou um drama de amadurecimento convencional, o filme mergulha sem filtros em um tabu profundo, utilizando o incesto como o ponto de ruptura de uma psique familiar fragmentada. Sob uma ótica psicanalítica, o longa é uma ilustração crua e desoladora do colapso das fronteiras do "Eu" e do fracasso do complexo de Édipo em sua resolução mais fundamental.
A narrativa acompanha Raymond, um estudante brilhante cuja trajetória em direção à autonomia é violentamente interrompida quando ele se vê obrigado a cuidar de sua mãe, Susan, que está acamada devido a uma perna quebrada. A dinâmica que se estabelece entre os dois é um campo minado de narcisismo e codependência. Susan, interpretada com uma vulnerabilidade sufocante por Alberta Watson, não enxerga Raymond como um indivíduo com desejos próprios, mas como uma extensão de si mesma e um substituto emocional para o marido ausente e abusivo. Na psicanálise, isso remete à figura da "mãe devoradora", aquela que impede a castração simbólica do filho, mantendo-o aprisionado em seu campo narcísico-afetivo.
Raymond, por outro lado, é o retrato da castração social e intelectual. Seu desejo de estagiar e seguir sua vida acadêmica é constantemente sabotado pelas demandas físicas e emocionais da mãe. A relação transgride os limites saudáveis à medida que o isolamento aumenta; a intimidade forçada pelos cuidados médicos (banhos, idas ao banheiro) erode a barreira do pudor, transformando a tensão em uma atração latente e, eventualmente, consumada. O filme sugere que o ato em si não nasce de um desejo genuíno, mas de um desamparo psíquico: Raymond cede à sedução da mãe como uma forma de rendição final, uma capitulação diante de uma força que ele não consegue mais combater.
| Imagem/Reprodução: Imdb |
O título original (uma gíria para masturbação) e a presença constante de um macaco de estimação funcionam como metáforas para a regressão aos impulsos primários. Enquanto o pai de Raymond representa a Lei falha e ausente, um homem que negligencia a família mas exige obediência, a casa se torna um ambiente fechado onde a moralidade civilizada é substituída pela satisfação imediata e disfuncional de necessidades neuróticas. Não há o triunfo do ego; há apenas o esmagamento do indivíduo pela patologia do sistema familiar.
Em última análise, Spanking the Monkey é uma crítica devastadora sobre como traumas e carências não resolvidas de uma geração são despejados violentamente sobre a próxima. Russell não glamouriza a transgressão; ele a filma com uma crueza quase clínica, focando no pós-ato: a culpa devastadora, a vergonha e a percepção de que, uma vez quebrada a barreira fundamental da cultura, o caminho de volta para a sanidade é praticamente inexistente. É um filme difícil, mas essencial para entender as dinâmicas de poder e erotismo distorcido que podem habitar o núcleo doméstico.
Não recomendo para quem já passou por situações de abuso no ambiente familiar, pois, embora não existam cenas explícitas, há diversos gatilhos, sugestões e insinuações durante a narrativa.
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