Run (2020) - Síndrome de Munchausen ou a perversão do cuidado
Ano de Lançamento: 2020
Direção: Aneesh Chaganty
Roteiro: Aneesh Chaganty e Sev Ohanian
Duração: 1h:30min
Países de Origem: EUA
O filme Run (2020), dirigido por Aneesh Chaganty, oferece um terreno fértil para uma análise psicanalítica, especialmente quando exploramos a Síndrome de Munchausen por Procuração (agora formalmente chamada de Transtorno Factício Imposto a Outro).
Na psicanálise lacaniana, o "Desejo da Mãe" é frequentemente descrito como algo voraz — uma boca aberta que ameaça engolir a individualidade do filho. Nessa narrativa, Diane (Sarah Paulson) personifica essa voracidade.
A Síndrome de Munchausen por Procuração funciona aqui como o mecanismo de defesa de Diane contra o trauma da perda (o falecimento de seu bebê biológico logo após o parto). Para não enfrentar o luto, ela sequestra uma criança e, através da medicalização forçada, garante que essa criança nunca a deixe. Chloe não é vista por Diane como um sujeito com desejos próprios, mas como um objeto que valida o papel de "mãe heroica" de Diane. A fragilidade física de Chloe é a única garantia de que Diane permanecerá necessária. Na psicanálise, isso revela um ego fraturado que só encontra integridade através da dependência absoluta do outro.
Diferente do desenvolvimento saudável, onde o pai (ou a "Função Paterna") intervém para separar a díade mãe-filho e introduzir a criança no mundo social, em Run essa barreira é inexistente. Diane isola Chloe do mundo externo (sem escola, sem internet, sem amigos), criando um espaço claustrofóbico que mimetiza um útero eterno. Chloe está presa em uma simbiose patológica. A descoberta de que ela pode andar é o gatilho simbólico da ruptura: o caminhar representa a autonomia, o afastamento e, consequentemente, a "morte" simbólica da utilidade de Diane.
O uso de remédios (incluindo relaxantes musculares para cães) atua como uma âncora no Real do corpo. Diane manipula a biologia de Chloe para impedir que ela acesse o Simbólico (a verdade sobre sua origem). Para a vítima de Munchausen, a narrativa da doença torna-se sua identidade. Chloe define-se por suas alergias e paralisias. O momento em que Chloe decide ingerir veneno para forçar uma ida ao hospital é um ato radical de "passagem ao ato" (passage à l'acte). Ela coloca sua vida em risco para quebrar a lei da mãe e invocar a Lei do Outro (os médicos, o Estado).
A cena final do filme é a mais instigante sob a ótica psicanalítica. Ao visitar a mãe na prisão e contrabandear remédios para deixá-la doente, Chloe não está apenas se vingando; ela está demonstrando a Identificação com o Agressor. Chloe assume o controle do jogo. Ela inverte os papéis de cuidador e paciente, mantendo a mãe em um estado de debilidade para garantir que ela saiba exatamente onde Diane está. Isso sugere que o trauma da Síndrome de Munchausen é tão profundo que a única forma de Chloe se relacionar com o "objeto materno" é através da mesma moeda: o controle através do sofrimento físico.
Run é menos sobre um crime e mais sobre o horror da maternidade absoluta. Através da lente da psicanálise, a Síndrome de Munchausen no filme ilustra como o amor, quando privado de alteridade, torna-se uma forma de canibalismo psíquico.
Embora não seja uma biografia oficial, o filme Run é amplamente reconhecido como sendo fortemente inspirado no caso real de Gypsy Rose e Dee Dee Blanchard. A relação é tão direta que, na época do lançamento, muitos espectadores e críticos apontaram o filme como uma "versão thriller" daquela tragédia real. Abaixo, destaco os pontos de conexão e as diferenças fundamentais: A Simbiose Doentia: Assim como Dee Dee Blanchard, a personagem Diane (Sarah Paulson) constrói uma identidade pública de "mãe heroica e abnegada" que cuida de uma filha com múltiplas doenças crônicas (diabetes, paralisia, arritmia); A Mentira Médica: Em ambos os casos, a filha acredita ser cadeirante e portadora de doenças graves, quando na verdade sua condição é induzida ou simulada pela mãe através de medicamentos e manipulação psicológica; O Isolamento Social: Dee Dee e Diane usam o isolamento (homeschooling, falta de internet e controle de correspondências) para evitar que a realidade externa rompa a fantasia criada dentro de casa; A Descoberta: Tanto Gypsy quanto Chloe (a protagonista do filme) começam a desconfiar da mãe ao notar inconsistências em suas medicações e ao perceberem que têm capacidades físicas que lhes foram negadas.
Enquanto a realidade de Gypsy Rose terminou em um crime brutal planejado via internet, o filme opta por um caminho de suspense de sobrevivência, isso porque Chloe é retratada como uma prodígio da engenharia e muito mais autônoma intelectualmente desde o início, enquanto Gypsy foi mantida em um estado de "infantilização" extrema por anos. Como mencionei anteriormente, o filme termina com uma inversão de poder. Na vida real, Gypsy Rose colaborou no assassinato da mãe para conseguir fugir; em Run, a filha mantém a mãe viva, mas sob seu controle, o que leva a patologia a um novo nível cíclico.
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