08/10/2025

Anna Freud: entre o legado paterno e o pioneirismo da Psicanálise Infantil

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Anna Freud | Child Psychologist, Psychoanalyst, Educator | Britannica

Anna Freud foi uma figura monumental na história da psicanálise, não apenas por ser a filha caçula de Sigmund Freud, mas, principalmente, por suas inovações teóricas e técnicas que solidificaram o campo da psicanálise infantil e impulsionaram a corrente da Psicologia do Ego. Nascida em Viena, em 3 de dezembro de 1895, ela foi a única dos seis filhos de Sigmund e Martha Bernays a seguir os passos do pai, tornando-se sua discípula, confidente, enfermeira e, por fim, a guardiã oficial de sua vasta herança intelectual. Sua trajetória de vida e obra é inseparável da história do movimento psicanalítico do século XX.

Vida, Formação e a Relação com o Pai

A infância de Anna foi marcada por sentimentos de exclusão e rivalidade. Sentindo-se preterida em relação à elegância e beleza de sua irmã Sophie Halberstadt, ela buscou reconhecimento em suas qualidades intelectuais, em uma época em que o talento para os estudos era mais esperado dos filhos homens. Sua maior conexão afetiva, e o motor de sua vida, foi o pai. A relação com Sigmund Freud era o extremo oposto daquela que tinha com a mãe, Martha, de quem se sentia distante. A proximidade com o pai aumentou significativamente após o casamento de Sophie em 1913, quando Anna se tornou a única filha a residir em casa, assumindo a partir de então um papel central na vida de Freud.

Sua formação acadêmica não seguiu o caminho do Gymnasium; Anna frequentou o Cottage Lyceum, onde completou seus estudos em 1912. Impedida de cursar medicina, ela fez um exame que lhe permitiu lecionar no ensino primário, trabalhando como professora entre 1914 e 1920, durante a Primeira Guerra Mundial. Esta experiência pedagógica foi crucial, pois forneceu a base para suas futuras contribuições na aplicação da psicanálise à educação.

Aos 22 anos, entre 1918 e 1920, e novamente entre 1922 e 1924, Anna passou por análise com o próprio pai. Essa análise, que gerou controvérsia no movimento psicanalítico devido ao forte apego mútuo entre pai e filha, não apenas funcionou como seu treinamento, mas também a consolidou como a principal defensora da obra freudiana. Em 1922, ela apresentou seu primeiro artigo à Sociedade Psicanalítica de Viena, "Fantasias e devaneios diurnos de uma criança espancada", garantindo sua admissão na sociedade. A vida de Anna Freud e de sua família sofreu uma mudança drástica em 1938, quando a ascensão do nazismo os forçou a fugir de Viena para se instalarem em Londres, graças ao resgate pago por Marie Bonaparte. Em Londres, Anna dedicou-se a cuidar da saúde debilitada de seu pai até a morte dele, em setembro de 1939, e continuou seu trabalho revolucionário.

O Ego e os Mecanismos de Defesa: A Teoria Central

A maior contribuição teórica de Anna Freud veio com a publicação de sua obra capital, "O ego e os mecanismos de defesa", em 1936. Este trabalho é considerado um marco da Psicologia do Ego, pois Anna deslocou o foco da psicanálise do estudo do inconsciente (o Id) para o papel central do Ego na mediação entre as pulsões internas e a realidade externa.

No livro, ela não apenas redefiniu e sistematizou os mecanismos de defesa descritos por seu pai, como a repressão e a negação, mas também introduziu e elucidou outros cruciais, como a identificação com o agressor e a rendição altruísta. Para Anna, esses mecanismos são intervenções do Ego contra a angústia gerada tanto pelas agressões pulsionais (internas) quanto por fatores externos. Ao utilizar conclusões derivadas de suas análises com crianças, ela proporcionou uma clareza e uma estrutura sistemática para a compreensão do Ego, algo que faltava na obra original de Freud, garantindo o sucesso de sua obra, particularmente nos Estados Unidos.

Contribuições para a Psicanálise Infantil e o Annafreudismo

O trabalho de Anna Freud foi predominantemente dedicado às crianças, uma área na qual ela inovou profundamente, estabelecendo-se como uma das fundadoras da psicanálise infantil ao lado de Melanie Klein, embora em forte oposição a ela.

Em 1927, publicou "Introdução à técnica da análise de crianças", onde abordava a terapia psicanalítica para pacientes imaturos ou com baixa habilidade verbal. Sua inovação técnica incluiu o uso de instrumentos para brincar e a observação da criança no contexto doméstico. Contudo, a grande diferença de Anna em relação à sua contemporânea, Klein, residia na abordagem: Anna acreditava que, devido à imaturidade do supereu e do Ego das crianças, elas eram muito pequenas para serem submetidas à psicanálise profunda, focada na exploração do inconsciente, como a realizada em adultos. Ela seguia a cautela que seu pai demonstrou no tratamento do Pequeno Hans.

Anna defendia que a análise infantil devia estar integrada com o processo educativo. Essa integração levou-a a fundar o Kinderseminar (Seminário de Crianças) em 1925, com o objetivo de formar terapeutas capazes de aplicar a psicanálise na educação, e a construir o pensionato Jackson Nursery, em 1937, para crianças carentes.

Essa diferença de abordagem deu origem ao Annafreudismo, um movimento psicanalítico que se opôs ao Kleinismo. Enquanto a psicanálise kleiniana e pós-kleiniana se focava nas neuroses, no Complexo de Édipo precoce e nas relações arcaicas com a mãe (visão mais médica), o Annafreudismo priorizava a valorização do Ego e dos mecanismos de defesa, tratando a psicose através da neurose e incorporando uma dimensão social e profilática, estreitando os laços da psicanálise com a pedagogia.

Ao falecer em Londres, em 1982, aos 86 anos, Anna Freud deixou um legado duradouro. Suas contribuições redefiniram a psicanálise para o público infantil e fortaleceram a importância do Ego na teoria psicanalítica, garantindo seu lugar como uma das figuras mais influentes na história da psicologia moderna.



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