09/10/2025
Sándor Ferenczi
A trajetória de Sándor Ferenczi, um dos nomes mais notáveis e, paradoxalmente, menos reconhecidos da primeira geração da psicanálise, é uma história intrinsecamente ligada à vida e obra de Sigmund Freud, mas que se destaca por uma corajosa e profunda reorientação da prática clínica. Nascido em 7 de julho de 1873, em Miskolc, na Áustria-Hungria, e falecido em 22 de maio de 1933, em Budapeste, Ferenczi foi um psicanalista húngaro cuja paixão pelo tratamento e pelo aprofundamento da teoria o levou a inovações que só seriam plenamente valorizadas décadas após sua morte. Formado em medicina aos 21 anos pela Universidade de Viena, ele inicialmente se especializou em neurologia e neuropatologia. Seu interesse pelas questões da mente e sua abertura para o novo eram evidentes em seus primeiros artigos pré-analíticos, publicados até 1908, que abordavam temas como espiritismo e a defesa dos oprimidos, incluindo os homossexuais, em um ato de coragem perante a Associação Médica de Budapeste.
O ano de 1908 marca o ponto de inflexão decisivo em sua carreira, quando, após ler com entusiasmo "A Interpretação dos Sonhos", de Freud, ele o visita em Viena. Esse encontro deu início a uma das mais intensas e produtivas relações da história da psicanálise, selada por uma troca de cerca de 1.200 cartas ao longo de um quarto de século, além de férias compartilhadas e a participação no seleto "Comitê Secreto" a partir de 1913, grupo dedicado a proteger o futuro da psicanálise. Ferenczi não era apenas um amigo e colega, mas também um paciente, tendo feito sessões de análise com Freud em diversas ocasiões entre 1911 e 1916. Sua lealdade ao movimento freudiano era inabalável, como demonstrou ao tomar publicamente o partido de Freud no conflito com Carl Jung. Além disso, coube a ele a ideia original da "análise didática", propondo que um pequeno grupo de colaboradores fosse analisado por Freud para depois difundir a psicanálise em suas cidades, culminando na fundação da Associação Internacional de Psicanálise (IPA) em 1910, da qual foi eleito presidente em 1918.
Apesar de ser um pilar do movimento, Ferenczi se distinguiu de Freud por seu enfoque eminentemente clínico. Enquanto Freud se dedicava primariamente à estruturação do aparelho psíquico, o húngaro concentrava-se na teoria do espaço analítico e no lugar do analista, visando ampliar os limites terapêuticos da psicanálise para tratar pacientes até então considerados intratáveis, como psicóticos, pacientes psicossomáticos e casos-limites ou fronteiriços. Sua produção teórica começou com força, e já em 1909, em seu primeiro grande trabalho, "Transferência e Introjeção", ele introduziu o termo introjeção, conceito que Freud viria a retomar e aprofundar. Outros temas centrais em sua obra incluem a ênfase no papel estruturante do objeto externo no desenvolvimento psíquico, a importância dos vínculos precoces, a regressão na cura analítica e a clivagem entre corpo e psiquismo.
Contudo, foi na esfera da técnica que a obra de Ferenczi se tornou mais "aventureira", culminando em uma divergência significativa com o mestre de Viena. Em sua busca incessante por acelerar e aprofundar o processo de mudança psíquica, ele inicialmente propôs a controversa "técnica ativa" em 1919. Essa técnica envolvia a imposição de interdições ou o incentivo a certas ações para mobilizar material psíquico, um método que ele próprio viria a reconhecer como excessivamente rigoroso e que gerava sofrimento. A partir de 1926, abandonou-a em favor da "técnica de indulgência e relaxamento," que se baseava na ideia da elasticidade da técnica psicanalítica. Essa virada sublinhava a necessidade de contato emocional, a importância da empatia e o reconhecimento da contratransferência como paradigma técnico essencial, postulando que o analista deveria oferecer a seus pacientes uma nova experiência emocional corretiva, algo que havia faltado em suas infâncias traumáticas.
Em seus últimos anos, Ferenczi aprofundou-se nas consequências do trauma infantil, especialmente a violência e o abuso. Seu artigo "Confusão de Língua entre os Adultos e a Criança," escrito em 1932, mas que Freud se recusou a publicar, é um texto revolucionário. Nele, Ferenczi argumenta que o adulto abusador usa a linguagem da paixão para seduzir a criança, que, por sua vez, só conhece a linguagem da ternura. O trauma advém da incapacidade da criança de integrar a experiência e da subsequente negação (dissociação) imposta pelo medo, levando à "identificação com o agressor" e à cisão. Este trabalho, junto com seu Diário Clínico – onde aventou a ideia da "análise mútua," que questionava os limites da neutralidade analítica –, cristalizou sua divergência com a psicanálise clássica, que na época tendia a minimizar o papel do trauma real em favor da fantasia (as chamadas neuroses atuais). Ferenczi morreu subitamente em 1933, em decorrência de problemas respiratórios ligados a uma anemia perniciosa, antes que suas ideias mais radicais pudessem ser totalmente integradas ao corpus da psicanálise. Sua obra, no entanto, é hoje reconhecida como fundamental, estando na origem de importantes desenvolvimentos nas escolas inglesa e francesa de psicanálise e ressoando intensamente no debate contemporâneo sobre o trauma, as estruturas narcisistas e a intersubjetividade, confirmando sua estatura como um clínico genial.
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