07/10/2025

Revista Caracol - Chamada para o dossiê "A invenção do latino-americanismo no século XIX: a herança colonial em debate"


O século XIX foi marcado por múltiplos e intensos debates que procuravam reposicionar cultural e politicamente o mundo americano com relação à Europa e aos Estados Unidos. Embora para muitos intelectuais crioulos o espaço ocidental continuasse funcionando como paradigma de modernidade e progresso, a emergência do americanismo pós-colonial permitiu a valorização da uma especificidade sociocultural das repúblicas do Novo Mundo.

Um dos eixos iniciais foi a busca da unidade continental em âmbitos político, social e cultural, baseada na recuperação de um passado colonial comum e de um presente republicano projetado como modelo de modernidade política, agora da América para o mundo. Assim, a partir das propostas inaugurais de Simón Bolívar, Frei Fernando Teresa de Mier, Simón Rodríguez, Andrés Bello, Bernardo Monteagudo, Juan Bautista Alberdi, entre outros, surgiram programas políticos confederativos que questionavam os limites culturais e raciais das diversas nações americanas. Em sua famosa Carta de Jamaica (1815), Bolívar advertia: “não somos índios nem europeus, mas sim uma espécie intermediária entre os legítimos proprietários da terra e os usurpadores espanhóis”. Uma frase polêmica que introduz o problema das definições e das fronteiras da composição étnico-racial na América.

 Nesse contexto, a ideia de América Latina e o uso do gentílico latino-americano foram duas das concepções mais influentes na hora de pensar a região em sua dimensão continental e particular. Tais noções foram formuladas simultaneamente, em 1856, pelo chileno Francisco Bilbao, o colombo-panamense Justo Arosemena e o colombiano José María Torres Caicedo, ainda que com alcances culturais, ideológicos e políticos divergentes. Se no início a reivindicação da raça latina esteve vinculada à agenda panlatinista do Segundo Império napoleônico, o conceito de América Latina e seu derivado, o latino-americanismo, foram dispositivos ideológicos e representacionais que serviram não apenas para conceber um projeto sociocultural compartilhado para além das fronteiras nacionais e dos nacionalismos, mas também para questionar o expansionismo norte-americano, as investidas imperialistas e o fortalecimento do colonialismo europeu em escala global.

A partir dos trabalhos de John L. Phelan, Arturo Ardao e Miguel Rojas Mix, o estudo da emergência do latino-americanismo e sua continuidade nos séculos posteriores também se conectou ao desenvolvimento de perspectivas anticoloniais e anti-imperialistas no subcontinente. No entanto, o latino-americanismo do século XIX também foi debatido e rejeitado por posturas hispanistas e iberistas que defendiam a herança colonial europeia na região. Estas se intensificaram na virada do século, com a elaboração de pautas pan-hispanistas e ibero-americanistas por parte de Espanha e Portugal, apropriadas também por agentes culturais e intelectuais locais.

Tanto o latino-americanismo quanto o hispanismo e o ibero-americanismo representam programas ideológicos que seguem vigentes em suas múltiplas dimensões e nos debates culturais das últimas décadas com relação à reavaliação do colonialismo e do imperialismo na América Latina. La Ideia de América Latina (2005), de Walter Mignolo, The allure and Power of na idea (2017), de Mauricio Tenorio Trillo, Latinoamericanismos situados (2018), de Fernando Degiovanni, e La invención de Nuestra América (2021), de Carlos Altamirano, são alguns dos títulos que, a partir de diferentes perspectivas crítico-metodológicas, abordam os temas aqui esboçados e que desejamos desenvolver neste número.

Convidamos pesquisadoras e pesquisadores a explorar e problematizar, a partir de múltiplos enfoques teórico-críticos, os modos como em suas diferentes vertentes no século XIX e início do XX, foram se gestando o latino-americanismo, o hispanismo e o ibero-americanismo que estão na base das primeiras modulações de retóricas e posturas anti-imperialistas e anticoloniais no subcontinente. Para isso, interessa a revisão de textos, narrativas, trajetórias e redes intelectuais envolvidos nesse processo, assim como o destaque de novos arquivos e fontes que permitam complexificar e ampliar o conhecimento sobre nossa história cultural, literária e intelectual.

Eixos possíveis para abordar nesta chamada:
  • Os usos políticos e culturais do termo América Latina frente a Hispano-América, Luso-América, América Ibérica ou América Espanhola;
  • O Brasil e a América Latina no século XIX: o difícil caminho para a integração cultural;
  • O Haiti e a América Latina: racismo e emancipação;
  • Ficções do colonialismo: narrativas do passado colonial (romances históricos, poesias, peças teatrais, entre outros);
  • O latino-americanismo e o panlatinismo francês: entre a unidade cultural e o projeto imperial;
  • O indigenismo incipiente e as vozes subalternas no campo intelectual latino-americano;
  • O hispanismo e o iberismo como dispositivos imperiais: escrituras de dominação e anticoloniais;
  • Figurações da mestiçagem: racialização e branquitude no ensaísmo e em obras literárias;
  • Escravidão, abolição e racialização no Império brasileiro: debates intelectuais, resistências e seu lugar no latino-americanismo do século XIX;
  • Os latino-americanistas na Europa e nos Estados Unidos: redes intelectuais, agendas culturais e projetos editoriais transnacionais;
  • Modernismo e Noventayochismo (geração de 1898): tensões e diálogos entre latino-americanismo e hispanismo;
  • A batalha do idioma: hispanismo e latino-americanismo diante das políticas linguísticas;
  • Luta de raças no fim de século: os debates entre latinos e anglo-saxões.

Organização do dossiê:
Alvaro Garcia (Universidad Metropolitana de Ciencias de la Educación)
Marcelo Sanhueza (Universidad Alberto Hurtado de Chile)
Laura Hosiasson (Universidade de São Paulo)

Data limite para a submissão de artigos: 30/04/2026.

Os artigos devem ser submetidos por meio da plataforma da revista Caracol, usando-se o link a seguir: https://www.revistas.usp.br/caracol/about/submissions. Os textos deverão obedecer às normas estabelecidas pela revista, em suas diretrizes para autores disponíveis na mesma página web.



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