A Revista Estudos Semióticos convida os pesquisadores a submeterem propostas de artigos para o dossiê temático "Semiótica e tecnologia: perspectivas e desafios", que será publicado na edição 22(3), em dezembro de 2026.
Ao longo dos anos, diferentes avanços tecnológicos alteraram o curso da história da humanidade, influenciando a maneira como as pessoas se comunicam e interagem com o mundo à sua volta. A máquina a vapor, a título de exemplo, impulsionou a Revolução Industrial no século XIX, trazendo profundas mudanças sociais e econômicas. No século seguinte, o rádio, a televisão e, posteriormente, o computador e a internet permitiram o surgimento de novas linguagens midiáticas, transformando os processos de significação em curso; já as primeiras décadas deste século presenciaram o florescer dos modelos de IA e o exponencial uso de dados (big data) e algoritmos no cotidiano, ao que diversos especialistas têm denominado “a era da inteligência artificial” (Lee, 2019; Schmidt; Huttenlocher; Kissinger, 2023). Essas transformações, cada qual ao seu modo, conduziram novos processos de significação, reverberando em nossas práticas e formas de vida (Fontanille, 2008; 2015), uma vez que a questão não deve ser entendida apenas como tecnológica, mas como forma de vida da sociedade contemporânea (Teixeira, 2020). Seus impactos podem ser percebidos nas mais diversas esferas de atuação: na educação, na política, no entretenimento, na comunicação, na mídia, entre outras, além de suscitar práticas interdisciplinares (Matte; Pereira; Mendes, 2014).
Pode-se considerar que uma semiótica das tecnologias digitais constituiu-se, progressivamente, como um campo de pesquisa autônomo. Dentre as abordagens, destacam-se as reflexões de Jean-François Bordron (2006), que concebe as máquinas como dispositivos de mediação e produção de sentido, para os quais propôs uma tipologia. Um outro exemplo é a revista Interfaces numériques, dirigida por Nicole Pignier (Universidade de Limoges), que, desde 2012, situa as tecnologias contemporâneas no centro da análise semiótica, interrogando seus modos de interação e mediação, bem como as transformações que operam sobre as práticas sociais e culturais. Nessas perspectivas, os números sucessivos da revista estudaram tanto os hardwares quanto as aplicações (computadores, tablets, smartphones, internet, redes sociais), com o objetivo de evidenciar como as tecnologias articulam modos de pensar e modos de agir, imaginários e práticas — seja na produção e criação de imagens e textos, seja na renovação das dinâmicas de colaboração e práticas pedagógicas.
Após os trabalhos pioneiros de François Jost (1999) sobre a televisão, a semiótica das tecnologias digitais foi enriquecida por estudos sobre as noções de mídia, medialidade e intermedialidade (Jeanneret, 1999; Jeanneret e Souchier, 2005; Badir, 2007). Em um primeiro momento, esses estudos revelaram como as tecnologias colocam em questão o estatuto das práticas e produções semióticas, determinando a emergência de novos gêneros textuais e visuais, assim como sua inscrição em regimes de veridicção, autoridade, legitimidade, e em estatutos específicos (como os da ciência, religião, política...). Em um segundo momento, ao conceberem as tecnologias como dispositivos enunciativos, tais abordagens passam a considerá-las como interfaces entre enunciados, objetos e práticas, modelando a maneira como participam das competências dos sujeitos — ampliando ou reduzindo seus poderes perceptivos, corporais, cognitivos ou sociais.
Considerando os efeitos de reconfiguração das práticas enunciativas e dos regimes de sentido produzidos pela popularização do uso de tecnologias no cotidiano, o presente dossiê propõe-se a refletir sobre modos de geração e circulação do sentido em práticas mediadas tecnicamente e como a semiótica pode ajudar a compreendê-los. Interessa-nos investigar como essas mediações – particularmente em plataformas digitais – engendram novos regimes discursivos, nos quais a enunciação se dá sob linguagens sincréticas, formas híbridas e tensionadas, simultaneamente marcadas por categorias aparentemente antagônicas: proximidade e distância, informal e formal, incompletude e completude, subjetividade e objetividade (Barros, 2015). Além disso, convidamos os(as) pesquisadores(as) a refletirem criticamente sobre os recentes desenvolvimentos da Inteligência Artificial (IA) e outras tecnologias, seus impactos em nosso dia a dia, suas contribuições e limitações.
Mais recentemente, os estudos na interface entre IA e semiótica têm sido impulsionados pela Escola de Turim e pelo Séminaire International de Sémiotique à Paris, co-dirigido por Maria Giulia Dondero e Juan Alonso, o que levou a disciplina a investir na análise dos processos de produção de sentido mediados por IAs generativas nos domínios do texto escrito, da conversação e dos artefatos visuais, discutindo tanto os efeitos de verossimilhança/realidade quanto as transformações das práticas socioinformacionais e culturais (Leone, 2024; D’Armenio, Deliège, Dondero, 2024). A atenção dedicada a essas novas tecnologias na Europa e no Brasil acompanha o desenvolvimento de pesquisas sobre os chamados “mundos digitais”, a realidade virtual, a realidade aumentada e os jogos eletrônicos, a dataficação das práticas sociais e o big data, visando compreender como as tecnologias constituem novos suportes de experiências e de relações sociais, ainda que plenamente reais (Marino, 2022; Giuliana, 2024; Chatenet e Giuliana, 2025; Thibault, 2020; Moraes, 2024).
O volume 22 (3) da revista Estudos Semióticos buscará inscrever-se nesse campo de pesquisa ao interrogar de que maneira as novas tecnologias modificam o sentido de nossas práticas cotidianas. Como as interfaces de software, maquínicas e algorítmicas, especialmente a IA generativa, transformam nossa relação com o sentido e, em contrapartida, como a semiótica pode contribuir para repensar seus modelos excessivamente enviesados?
Nesse contexto, o número 22 (3) da revista Estudos Semióticos receberá artigos que girem em torno dos seguintes eixos de reflexão:
- Descrição e análise dos discursos produzidos na internet;
- O impacto do digital no campo das linguagens;
- Multimodalidade e sincretismo de linguagens no ciberespaço;
- Os sentidos gerados pelo uso das tecnologias na aprendizagem e na pedagogia;
- Desafios sociais, políticos, culturais e tecnológicos no enfrentamento dos sistemas de desinformação no contexto digital;
- Descrição e análise das inteligências artificiais generativas, seus impactos na vida humana e objetos semióticos produzidos;
- Análise e contraposição das práticas e dos objetos semióticos gerados e circulantes nas diferentes redes sociais (ou mídias): Instagram, TikTok, Facebook, Youtube, etc;
- Consequências do uso de algoritmos nas diversas práticas sociais;
- A maneira como o estudo de certos dispositivos tecnológicos conduziu a semiótica a fazer evoluir seu aparato teórico e/ou metodológico.
Organizadores: Daniervelin Pereira (UFMG, Belo Horizonte), Letícia Moraes (UFPB, João Pessoa) e Ludovic Chatenet (Université Bordeaux Montaigne, Bordeaux)
Datas importantes:
Submissão das propostas (uma página): 01/outubro/2025 a 30/novembro/2025. Enviar cópia para ambos os e-mails: daniervelin@gmail.com e lesemiotica@gmail.com. Assunto: Dossier Semiótica e Tecnologia - proposta artigo.
Resposta sobre as propostas recebidas: 20/dezembro/2025.
Período de submissão, pela plataforma OJS da revista, dos artigos full-text com proposta aceita: 01/abril a 31/maio/2026. Link para o envio: https://www.revistas.usp.br/esse/about/submissions
Publicação programada Estudos Semióticos 22(3): dezembro/2026.
Detalhes sobre a redação e a formatação dos artigos:
Línguas aceitas: português, francês, inglês, italiano, espanhol.
Os resumos deverão ser redigidos em inglês + outra língua de acordo com aquelas aceitas.
Os artigos submetidos deverão conter de 25.000 a 50.000 caracteres (espaços incluídos).
Verificar as normas de formatação da revista.
Para mais informações, acesse: https://revistas.usp.br/esse/22_3_dossier_tecnologia_call