Revista Periódicus - Chamada para dossiê "Colonialidades e Gêneros: dissidências, resistências e lutas contra o extermínio"

Frederico Lima


A mudança de foco construída pela ideia de colonialidade (Quijano, 2000), trazendo os efeitos que permanecem dos trânsitos coloniais e o seu impacto no mundo colonizado e colonizador, mesmo após as independências, permitiu o desenvolvimento de saberes e práticas ligados ao sistema de sexo-gênero (Lugones, 2008). Várias hipóteses de trabalho surgiram trazendo modos de pensar e fabulações críticas (Hartman, 2008) sobre como eram vividas as práticas de gênero e sexualidade, a partir de posições que existiram e resistiram a uma ordem sexual e política de gênero que foi imposta nesses lugares (Spivak, 2021).

O colonialismo, em paralelo ao poder e saber, se impôs também, através das fogueiras e degredos, das internações compulsórias e prisões, enquanto desarticulação e colonização dos sistemas tradicionais e das normas e práticas locais de gênero e sexualidade. Além disso, também operou por via da organização material dos espaços, produzindo compartimentos, como apontou Fanon (1968), e estabelecendo critérios sobre quais corpos possuem ou não o direito de ocupar determinados territórios.

Como nos recorda Lugones (2008), a ideia de uma missão civilizatória não passava de um eufemismo da biopolítica colonial que buscava o controle dos corpos para manter a máquina capitalista colonial em funcionamento. Nesse jogo de eufemismos e de distribuição de violências, organizado pela imposição do cristianismo e pelo racismo científico positivista, as diferenças entre a ordem colonial e as práticas de gênero e sexualidade dos países colonizados foram utilizadas como pontos de exercício de poder e subjugação, muitas vezes recorrendo às “pedagogias da crueldade” (Segato, 2018). Como aponta Karina Bidaseca (2011), racismo e colonialidade constituem as relações de gênero do presente, gramáticas coloniais que sobrevivem ainda.

O olhar euro e anglo-cêntrico se organizou a partir de uma lógica cientificista, que sob a proteção de uma suposta universalidade, neutralidade e verdade científica, produziu saberes que legitimaram subalternidades, hierarquias e violências, assim como genocídios e epistemicídios. Como resultado, a ordem colonial de gênero e sexualidade foi transformada em campo de subjetivação, não sem tensões, questionamentos e resistências, por parte daqueles que fizeram as lutas de independência e assumiram o poder. Os países independentes, quase todos positivistas e liberais, assumiram a ordem colonial como ideal civilizatório, e deram e dão continuidade aos “sonhos de extermínio” (Giorgi, 2004) dos colonizados, em particularmulheres trans e cis, indígenas e negras, e dissidentes sexuais e de gênero. A colonialidade de gênero e sexual, envoltas na gramática política do racismo, é o sonho colonial que nunca acabou. Por essa via, é possível afirmar, como também apontou Fanon (1968) que, para compreender essas múltiplas violências, é preciso fazer uma revisão integral de toda a situação colonial.

As periferias do sistema-mundo moderno/colonial, no entanto, não são totalmente capturadas pela norma, antes, constituem espaços de escárnio, paródia e desobediência às normas de gênero (Oliveira, 2017). Neste sentido, são relevantes os saberes latino-americanos dissidentes de gênero que nos permitem repensar uma outra ontologia, como trânsito, como devir, como potência. Saberes estes que viram a norma do avesso, tal e como propõe viviane vergueiro (2018) quando aponta a necessidade de estudar a cisgeneridade como uma possibilidade decolonial, o que significa entender o modo como corpos cisgêneros tem a sua normalidade produzida e a sua humanidade garantida; enquanto essa própria norma cis expulsa do domínio de inteligibilidade do que conta como humano a pessoas trans, travestis e gênero-dissidentes.

Em diálogo com perspectivas decoloniais, anticoloniais e pós-coloniais, o dossiê Colonialidades e Gêneros: dissidências, resistências e lutas contra o extermínio, está interessado em artigos, ensaios, poemas e ensaios visuais que articulem, a partir da América Latina e África, discussões em torno de:

- O conceito de gênero e sexualidade como parte da epistemologia colonial;

- Práticas dissidentes da ordem colonial de gênero e sexualidade;

- Colonialidade de gênero e as lutas de independência dos países colonizados;

- Resistências, permanências e internalizações da ordem colonial de gênero;

- Gênero e colonialidade no discurso científico, na literatura, no cinema e outras artes: - Práticas

contra-hegemônicas de descolonização do gênero e da sexualidade; - Saberes subalternos e

subjugados:

- entre outros temas possíveis.

Organizadores: Fabrício Ricardo Lopes (Universidade Federal do Acre), Helder Thiago Maia (Universidade de Lisboa), João Manuel de Oliveira (Iscte-Instituto Universitário de Lisboa) e Yarlenis Ileinis Mestre Malfrán (Universidade Federal do ABC)

Prazo para submissão: 30 dezembro de 2025

Previsão de publicação: julho de 2026

Para mais informações, acesse: https://periodicos.ufba.br/index.php/revistaperiodicus/announcement/view/887

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